A primeira vez que eu morri.


Eu tinha 22 anos na primeira vez que morri. Infelizmente a minha pouca idade não me poupou de conhecer a maldade inata e cruel que existe no ser humano. Eu gostaria de dizer que era um dia frio e chuvoso, mas não era. O céu estava claro e azul como um desses que a gente só vê em desenho animado. O sol brilhava e estava tão quente que chegava a ser sufocante. Lindo! Eu estava em uma cidade desconhecida e chorava. Minhas malas estavam pesadas demais para o meu ombro frágil, e apesar das pessoas que passavam na rua observando a minha tragédia, eu estava completamente sozinha. Abandonada depois de uma briga horrível, onde o único tiro disparado dentro daquele quarto de hotel tinha me acertado em cheio. O amor é uma roleta russa da qual você nunca sabe quando o gatilho vai disparar e uma bala vai estourar sua cabeça. Muito menos o seu coração. Um dia eu conheci alguém. Ela tinha um sorriso tão dos deuses que seria capaz de fazer cego ver. E ela era tão linda que até os mais céticos tinham q concordar que tamanha beleza não podia ter sido concebida apenas por genética. Era uma beleza simples, dessas que não estão escancaradas na TV, entretanto, era mortal. Tipo areia movediça que você não se toca do perigo, mas quando percebe já está em um buraco sem volta. Ela sussurrava tão doce quanto os anjos, e mentia tão bem quanto o diabo. Eu me pergunto agora se era ela que mentia bem, ou se era eu que me fazia de cega quanto aos seus defeitos devido ao brilho que saía do seu sorriso. Eu queria poder dizer que estou triste, mas não estou! Eu estaria feliz se eu estivesse tristonha, pois pelo menos eu estaria sentindo alguma coisa. Qualquer coisa! Mas não, eu estou oca! Não sinto o clima, não sinto o tempo, não sinto fome, ou sede, e não sinto sono, apesar de ficar na cama todo o tempo. As gorduras viciantes perderam o sabor e até mesmo o meu refrigerante favorito perdeu o gás antes mesmo de eu abrir a latinha. Não sei se minha risada fingi alegria, e não reparo nas roupas que me vestem. Respondo tudo no automático, tanto que se me perguntarem sobre o que estávamos falando mesmo, eu já nem me lembro. Eu queria dizer também que estou morrendo de dor agora, mas eu não posso, pois eu já morri. Ela me deixava todos os dias, e a cada vez que isso acontecia, eu me transformava em inúmeras pessoas diferentes na esperança de ser alguém por quem ela se apaixonasse e mudasse. Tanta máscara usei que esqueci de alimentar o meu verdadeiro eu. Passei tanto tempo tentando ser amada por alguém que eu deixei de me amar, e como eu sinto saudade das minhas manias agora. Como eu queria poder ter de volta os meus detalhes que eram só meus. Eu vivia mudando, me esforçando e sangrando, mas nada fazia com que ela me amasse. Talvez fossem os meus olhos que a lembravam que eu ainda era eu independente da maquiagem que eu estava usando só pra agradá-la. São tempos obscuros agora. Mas eu ainda digo que isso tudo é somente a vida me livrando de todo o mal. Jogando fora todo o lixo que me rondava para abrir espaço para as coisas boas que estão por vir. Eu repito isso sozinha todos os dias nos momentos em que a mágoa e a raiva cegam qualquer luz que existe dentro de mim. Mas agora qualquer dor arde apenas como uma queimadura de cigarro, se comparado a um corpo inteiro já em carne viva. Todavia, eu estou viva e consciente de que meus poetas favoritos também morreram de amor, mas reviveram e ainda vivem em suas poesias. Como fênix que renasce das cinzas, eu tinha 22 anos na primeira vez que eu ressuscitei do que restou de um coração destruído.

Jessy Mendes

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