Saudade sem prazo de validade sofre mutação dentro da gente


Eu odeio balada. Nossa! E como. Aquele bando de gente estranha se esfregando. Trombando, uns nos outros, na expectativa de que uma daquelas trombadas se transforme em um encaixe. Eu iria matar a minha amiga assim que chegássemos em casa. Mas agora ela estava pulando com uma galera que eu nunca vi na vida, e, provavelmente, nem ela! Joguei fora o copo com vodca que tentaram me empurrar no bar, e beberiquei o suco com gelo que eu carregava. Argh! Até o suco daquele lugar era ruim. Jesus Cristo!
- Ok. E se eu estivesse exagerando? Afinal, eu já tinha ido a outras baladas antes. Quem sabe eu só estava ficando velha, ou amargurada. Provavelmente as duas coisas. Bebi mais um pouco do suco que continuava ruim. Certo. Talvez um táxi não custasse tão caro até em casa, pensei esperançosa. Mas me lembrei com tristeza que eu estava quebrada! Quem nunca? Não dava nem ir embora, pois era a tal amiga que estava pagando hoje. Sem esperanças, caminhei para um cantinho seguro e me encostei em uma pilastra, torcendo para que aquilo acabasse logo. Alguém gritou algo sobre como tinha ficado legal a reforma daquele lugar. E caramba! Foi então que eu percebi que já estive naquele mesmo cantinho antes! Com uma antiga namorada. Coisa de um ou dois anos atrás. Eu mal me lembrava mais. Engraçado como nada em mim doeu, apesar de ela ter destruído a minha vida. Não é estranho o modo como tudo passa? Tanto a dor, quanto o riso. As coisas, simplesmente, deixavam de ter tanta importância. Passam de tudo para nada, e se perdem em alguma dimensão entre o tempo e o espaço. Ri do destino e bebi mais um gole do meu suco que agora era quase água. Será que um dia eu também te esqueceria? Será que eu deixaria de te ver em cada canto? Mas eu já sabia a resposta para essas perguntas. Nossas memórias não estavam espalhadas em cada esquina, até porque nós não tínhamos, praticamente, nenhuma. Só que para o meu eterno desgosto e alegria, você estava em cada canto dentro de mim.
Estava um calor insuportável! Rodei com os olhos aquela pista e me perguntei por que as pessoas se produziam tanto, só para vir tomar um banho de suor naquele cubículo apertado. Foi assim que, sem mais nem menos, eu senti borboletas no estômago. Minhas pernas tremeram e meu mundo caiu! Ai não! Mas que droga! O que caiu foi o meu copo! Pés encharcados a parte, eu não podia te perder de vista! Malditas cabeças que embaralhavam minha visão. Me xinguei por não ter vindo de óculos, e te amaldiçoei por sempre aparecer nas horas mais impróprias. A-há! Eu vi você. De costas, claro. Cabelos pretos como a noite, curtos como a minha grana, e a pele branca como o gelo do meu congelador que eu preciso descongelar a anos. Droga! Foca no foco! O mundo entrou em câmera lenta, mas você pulava como uma louca. Jogava os braços pra cima, balançando aquela pulseira-relógio escura e grossa que só você tinha. Você passou a mão no cabelo, afastando eles da nuca, bagunçando-o, e eu me lembrei de como EU gostava de fazer aquilo. Eu amava bagunçar você todinha, um puro reflexo do que você fazia, e ainda faz, comigo. Levei o suco à boca, na expectativa de tentar molhar a minha garganta tão seca. Mas o meu copo, e mundo, estava no chão. Eu não tinha mais nada em minhas mãos, nem mesmo você. Cerrei meus olhos e fui me apertando entre a multidão. Atraída pelo imã natural e filho da puta que eu tenho em relação a você. Meu coração palpitou, freneticamente, e não era pela batida forte da música que tocava. Você continuava dançando e gritando como uma maluca, e eu não contive o meu sorriso, pois eu sei que você jamais dançaria daquela forma. Você nunca saía da casinha, mas era gostoso te ver ali daquele jeito. Inconscientemente, lá estava eu do seu lado, petrificada ao olhar para o seu rosto. O mesmo batom vermelho, o lápis no olho delineado da mesma forma, e uma blusa cinza quase parecida com aquela sua do Elvis. Eu, ainda parada como uma estatua, senti-me rachando, gradativamente, no instante que você olhou para mim e sorriu. Era você. Em carne, osso e cabelo. Mas não era você no sorriso, tal pouco no brilho dos olhos, apesar de os dela também serem pequenos. Não era você e pronto! E, independente do que eu fizesse com ela, nunca seríamos nós. Eu e você. Entende? Uma fumaça se propagou pelo ar e espaço. Meus olhos arderam, mas nada tinha a ver com aquela camada branca e espessa. Pisquei, repetidas vezes, e senti gotículas se espalhando pelo meu rosto. E não, não eram de suor. Meus pulmões foram sufocados e o meu coração esmagado no peito. Aproveitei a deixa e me afastei daquela versão pobre de você. Talvez uma versão genérica fosse melhor do que nada. Mas a gente nunca deve se contentar com o pouco. Não fora isso que eu aprendi com você? Voltei para o meu cantinho, aquele que não me trazia dor alguma ao me lembrar da minha ex. Chutei para longe o meu copo (mundo) que continuava no chão, já todo destruído. Peguei mais suco e fui chupar gelo no meu canto. Dispensei outro alguém, mas dessa vez não me senti nem um pouco orgulhosa de mim. Afinal, você ficaria? Eu e minha mania feia de sempre pensar no que você pensaria. Sem falar da minha esperança idiota de que você me ligaria um dia, e eu te contaria que estou há meses sem ninguém. Você ficaria feliz com mais uma certeza de que sou sua? Só sua! Como nunca fui de ninguém. Mesmo que você tenha me abandonado, e nunca tenha olhado para trás, eu ainda era sua. Fiel, indubitavelmente, aos meus sentimentos por você. Você ligaria. Não ligaria? Peguei meu telefone e verifiquei se eu ainda estava bloqueada nas suas redes sociais. A tela sem cor e sem vida me repetia que eu continuava bloqueada, principalmente, da sua vida. Como um vírus tão ruim que você repele para longe com cara de nojo. Não, você não ligaria. Nunca mais. E a vida tinha que seguir. Ela sempre segue, e quando você se recusa, ela te mete o pé na bunda e te empurra. Para onde exatamente, eu não sei dizer. Tinha medo de que a minha vida não seguisse para muito longe caso eu continuasse te vendo em cada rosto e em cada esquina.  Sabe quando você tenta seguir, mas você se cansa da tentativa antes mesmo de tentar? Você já sabe que nada, absolutamente, nada te preenche! E quando nada nos preenche, só a saudade é densa o suficiente e capaz de ocupar aquele espaço vazio. E saudade sem prazo de validade sofre mutação dentro da gente. Transforma-se em um monstro horrível que nada mata! Ele se alimenta das nossas esperanças, e corroí a nossa alma, dia após dia, em uma agonia eterna. Alguém cutucou meu braço, anunciando que já era hora de ir embora. Percebi que a pista já estava praticamente vazia, e que a sua versão genérica já tinha partido. Meus pés doíam, e antes fossem só eles. Concordei com a cabeça e deixei aquele pesadelo para trás, mas eu sabia que não havia alivio para mim, pois você me seguiria até em casa mais uma vez. 

Jessy Mendes

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