Mãe


Oi mãe, ainda nem nasceu o dia, está tudo muito escuro, mas é que eu não consigo dormir direito. Crescer dói, sabia? Pois é, eu ando descobrindo isso a cada dia. Mãe, eu tenho tantas dúvidas, mas a senhora está tão longe e eu me sinto tão criança ainda. Porque a louça nunca fica limpa como quando a senhora lava, não importa o quanto eu esfrego ou o quanto coloco detergente na bucha? Porque a minha toalha não fica sempre com aquele cheirinho gostoso de amaciante? Pois agora ela sempre tem um cheiro estranho, não importa o quanto eu esfregue, bato no tanque ou lave. Minhas roupas, às vezes, ficam meio duras, constantemente amarrotadas e nem de longe ficam tão cheirosas como quando a senhora lavava. Por quê? Eu não entendo! Eu ainda acordo com medo e não importa com quem eu divido quarto, não é a mesma sensação de segurança que eu tinha antes, só de saber que a senhora estava lá me velando, mesmo 'distante', lá do seu quarto. Bons tempos quando a maior distância entre eu e você era medida em metros ou cômodos e não quilômetros. Mãe, porque tudo é caro agora que sou eu quem pago minhas contas, ou será que a culpa disso tudo é da inflação e do governo? E principalmente, mãe, porque tudo é tão mais difícil agora que eu não te tenho tão por perto? Agora nos finais de semana, em vez de escutar você gritando, reclamando que não tinha tempo para nada, pois tinha que cuidar da casa, sou eu quem, calada e cansada, lavo o banheiro. Sou eu quem descongela a geladeira, quem faz uma gororoba horrível que eu insisto em chamar de comida, e sou eu quem fica descabelada em frente ao tanque lavando meu tênis e minhas roupas. Bons tempos quando eu tinha o fim de semana inteiro para sair, ir à balada, ou fingir que jogava futebol em um sábado à tarde qualquer. Bom o tempo em que eu tinha a senhora por perto. Porque, mãe, eu já atravessei oceanos, cruzei fronteiras de alguns países, em tão pouco tempo conheci outros tantos estados brasileiros e já vi as coisas mais tristes e lindas em cada canto dessa terra. Fiz amigos dos mais diversos, e por mais que os novos amigos nunca substituam os velhos, pois pessoas são insubstituíveis, eles quase amenizam a saudade que eu sinto dos antigos companheiros. Mas mãe, ainda sim, em nenhum lugar e em nenhum momento, eu encontrei alguém tão única, tão singela, ou com um sorriso tão grande, que quase amenizasse a falta que eu sinto da senhora ou que eu pudesse chamar, verdadeiramente, de MÃE.

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